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O Conhecimento Não Tem Idade

Educação Infantil e Relações de Idade


Este ensaio acadêmico tem intenção de incentivar os espaços multietários, trazendo os benefícios associados por pesquisadores como a Dra. Patrícia Dias Prado, Déborah Thomé Sayão e Peter Gray como exemplos.

palavras-chaves: educação infantil, infância, relação de idades.



Clara Spallicci Francisco aluna ouvinte disciplina de Ed. Infantil - Professora Dra. Patrícia Prado - 16/07/2020


É difícil de acreditar que mesmo após tantos anos vivendo em um sistema capitalista, hoje sabidamente fracassado, ainda assim, seguimos sem vislumbre de mudança. Esse sistema interfere na nossa educação infantil como explicitado eloquentemente pela autora SAYÃO “O direito à infância sofre a ameaça direta das diferenças sociais e econômicas que se acirram com o desenvolvimento desenfreado do capitalismo no qual o mercado está ocupando cada vez mais o lugar dos sujeitos humanos” (p.01).


Embarcando nesta lógica do sistema produtivo capitalista, as crianças são consideradas descartáveis, pois não trabalham e nem consomem. Claro que há uma produção crescente para o reconhecimento da infância como um tempo de direitos, mas na prática, nosso sistema educacional privilegia o Ensino Fundamental e o Ensino Médio por dois aspectos principais: as crianças tanto podem ser vistas como seres desprotegidos, suscetíveis às infecções e que por isso, precisam estar constantemente sob o controle do adulto e até afastadas de crianças com mais idade. Como também, sua voz está desconsiderada frente à hierarquia ou à experiência dos mais velhos. As crianças foram ficando privadas do convívio por questões higienistas e também pelo discurso da Psicologia do Desenvolvimento que compreende a infância como um tempo de passagem para a vida adulta. Como demonstra a Professora Doutora Patrícia Dias Prado em sua pesquisa Final-idades dos tempos da infância:


“Assentadas numa visão restritamente evolutiva e cronológica, referem-se à incapacidade de as crianças menores e maiores brincarem juntas, pois estariam em momentos distintos de seu crescimento e, por isso, não se entenderiam, se atrapalhariam ou se machucariam – algo que não foi confirmado na pesquisa”. (p.165)


No artigo The Special Value of Children’s Age-Mixed Play (O Especial Valor das brincadeiras entre crianças de idades misturadas, tradução livre) de Peter Gray há um estudo onde crianças de 2 anos juntas com crianças de 5 anos fazem brincadeiras mais cooperativas e complexas em comparação com crianças de 2 anos entre pares. Mas então porque seguimos com as características de “séries” ou “anos” para divisão das crianças, mesmo quando pesquisadores comprovam os benefícios da mistura entre idades? Essa pergunta segue sem resposta, mesmo quando a professora Ana Lúcia Goulart de Faria insiste na riqueza e oportunidade histórica de algumas escolas das redes públicas “experimentarem” misturar grupos de crianças de diversas idades, para “testar”, na prática, a contestação às teorias do desenvolvimento único, as professoras de Educação Infantil, fundamentadas em suas práticas docentes, não acreditam em desenvolvimento de crianças na mesma faixa etária “em si” (ARELARO).

Apresento 3 exemplos de escolas públicas que não seguem esta lógica. A primeira é a instituição pública de Portugal Escola da Ponte, que não adota o modelo de séries. A metodologia por projeto é aplicada utilizando uma situação problema, onde os estudantes de diferentes idades se organizam a partir de interesses comuns para desenvolver projetos de pesquisa.


“As crianças que sabem ensinam as crianças que não sabem. Isso não é exceção. É a rotina do dia a dia. A aprendizagem e o ensino são um empreendimento comunitário, uma expressão de solidariedade. Mais que aprender saberes, as crianças estão a aprender valores. A ética perpassa silenciosamente, sem explicações, as relações naquela sala imensa.” Rubem Alves comenta sobre a Escola da Ponte


Em Cotia, município do estado de São Paulo há o Projeto Âncora, que se inspira na Escola da Ponte, e tem uma proposta educativa visando que crianças de diferentes idades ocupem o mesmo espaço de aprendizagem. Vejam, já acontece no Brasil e é possível! E para finalizar as inspirações, na EMEI Nelson Mandela, alunos não são divididos por idade e desde cedo todos aprendem sobre a cultura afro-brasileira, fugindo dos moldes tradicionais de outras EMEIs. Para realizar a integração de turmas com alunos de idades variadas, foi organizado um conselho de pais e professores e esta decisão só foi tomada após a fala de um pai que ressaltou que o filho convivia com irmãos e primos de várias idades e não tinha motivo para na escola ser diferente.


“A escola não pode ser diferente do que a criança vive. Essa

fragmentação de conhecimento por idade foi se diluindo quando

percebemos que estava dando certo, mas foi um desafio para toda

a equipe docente. Se a gente quer respeito às diferenças, temos

que conviver com o diferente” diretora Cibele, do projeto.


Finalizo com um trecho do Documento do Município de São Paulo, chamado Currículo da Cidade de Ed. Infantil: Como geração adulta, temos o compromisso com a manutenção, propagação e difusão das brincadeiras. Se, por muito tempo, as brincadeiras eram transmitidas pelas gerações de crianças mais velhas aos bebês e às crianças mais jovens, atualmente a segregação etária das escolas diminui os espaços de trocas. Esse é um importante alerta para incentivarmos os espaços multietários e para propostas que estabeleçam encontros entre crianças da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, entre crianças e seus avós, entre crianças e os grupos culturais dos Territórios (p.89).


Temos o embasamento científico e diretrizes à favor da relação multi etárias, já temos pistas de quem está praticando e, agora, é arregaçar as mangas pela transformação e se beneficiar de uma infância em sua plenitude.


Referências Bibliográficas:

PRADO, Patrícia D. Os Três Porquinhos e as Temporalidades da infância. Cadernos Cedes, Campinas/SP, v.32,n.86, p. 81-96, jan./abr. 2012


SAYÃO, Deborah. Crianças: substantivo plural. Zero-a-Seis. Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação da Pequena Infância.CCE/UFSC, Florianópolis/SC, 2002.


PRADO, Patrícia D. Final-idades dos tempos da infância: crianças pequenas, relações de idade e Educação Infantil. Educação: teoria e prática. UNESP - Rio Claro/SP, v.22, n.39, p.160-177, jan./abr. 2012.


ARELARO, Lisete R. G. Não só de palavras se escreve a Educação Infantil, mas de lutas populares e do avanço científico. In: FARIA, Ana Lúcia G. de; MELLO, Suely (orgs) O mundo da escrita no universo da pequena infância. Campinas/SP: Autores Associados, 2005, p.23-50.


GRAY, Peter. The Special Value of Children’s Age-Mixed Play. American Journal - American Journal of Play, volume 3, number 4. 2011


Documento da prefeitura: Currículo Da Cidade São Paulo | 2019 Educação Infantil


Endereços Eletrônicos:


Escola da Ponte


Projeto Âncora


EMEI Nelson Mandela https://observatorio3setor.org.br/carrossel/escola-infantil-em-sp-quebra-barreiras-da-educacao- convencional/ acessado em 16 de julho de 2020

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