Semana mundial do brincar 🤸🏽♂️
- Clara Spallicci
- 29 de mai.
- 3 min de leitura
Crianças-natureza
O tema da Semana Mundial do Brincar de 2025 é “proteger o encantamento das infâncias” e assim como as infâncias, as fontes de encantamento são diversas.
Hoje queremos te convidar a olhar a infância e a brincadeira de uma perspectiva que pra nós faz todo sentido.
Vem com a gente por uns minutos mergulhar no viés indígena a respeito desses temas?

Foto: Google
Infâncias indígenas, por Ailton Krenak
Do outro lado do espectro desenvolvimentista ocidental, está a visão de mundo indígena (que também são muitas).
A percepção global do que é ser humano e como ele se constitui, por exemplo. De acordo com Krenak, nas culturas indígenas, “ficar antigo” é um atributo desejável - significa alcançar "antiguidade e conhecimento" e desempenhar um papel importante de sabedoria na comunidade.
Essa aprendizagem não tem a ver com o conceito linear de acumulação passiva de conteúdos, mas sim com as experiências vividas, e tudo isso começa na infância livre na natureza.
Crianças indígenas brincando livremente em suas aldeias
Calcado em sua própria experiência, Krenak conta que a liberdade de crescer profundamente conectado com a natureza, foi o que o levou a compreender sua própria identidade como parte indissociável dela, permitindo que ele "sentisse a vida nos outros seres, numa árvore, numa montanha, num peixe, num pássaro, e se implicar”, "confundir-se com a natureza em um sentido amplo” e tornar-se “sujeito coletivo”.
O brincar livre na natureza “coloca o coração das crianças no ritmo da Terra” e desenvolve nelas a percepção de que são natureza, onde o eu se expande para incluir a floresta, o rio, os animais. A ausência dessa liberdade causa não somente déficits de desenvolvimento, mas uma fragmentação da própria identidade humana em relação ao todo.
O "emparedamento" da infância nesse sentido, atrofia a capacidade da criança de acumular a sabedoria essencial para se tornar um "Xeramoi", uma pessoa que sabe por ter vivido.

Crianças Guajajara da Terra Indígena Arariboia brincam no rio Buriticupu. Foto: Ingrid Barros/Mongabay
Mas o que é então a natureza?
Ailton conta que para o povo Krenak, o Rio Doce é "Watu", um ser vivo a quem se canta e agradece por sustento e medicina. Da perspectiva indígena, não faz sentido reduzir um rio ou uma montanha a meras "coisas onde se pode jogar lama e construir uma ponte".
Para eles, a Terra é a "primeira camada, o útero da experiência da consciência", e somos "filhos dela". Logo, o dano que causamos ao ambiente externo "primeiro aparece no interior" de cada indivíduo - a saúde do planeta e a saúde humana são uma só. Se o brincar na natureza forma o "sujeito coletivo" e ensina a "sentir a vida nos outros seres", a solução é ofertar essa conexão, para que elas possam colocar seus corações no ritmo e a serviço da Terra.
As crianças, por sua natureza, são dotadas de um entendimento ancestral de pertencimento à natureza e, portanto, não devem ser forçadas a se isolar dela; a escolha de um "outro mundo" – um mundo mais conectado e sustentável – pode ser feita "aqui e agora" pelas próprias crianças, e não pelos adultos.

Foto: Beto Ricardo (ISA)
Emparedamento
"O que as crianças aprendem quando são mantidas em cativeiro? A escapar".
Assim Krenak define a inerente busca da criança por vivências autônomas, apenas suprimida se sua liberdade for sistematicamente condicionada por paredes, cronogramas e hiper estímulos.
Para ele, "todos nós temos o direito de nascer em uma cultura que viva a experiência da vida mais livre dos controles sociais", e esse desemparedamento estender-se-ia para além das paredes físicas, libertando pensamentos, tempo e espírito das normas sociais ocidentais.
O quão longe nossas crianças têm nascido dessa liberdade de ser e vir-a-ser com a Terra, com o outro, na contemporaneidade do tempo colonizado?
Pense, por exemplo, que a noção unilateral e utilitarista desse mundo taxou os indígenas de "preguiçosos" que precisavam ter seu tempo "ocupado", quando, na verdade estavam "experienciando a vida, vivendo com seus filhos, percebendo o tempo. As crianças aprendendo umas com as outras.”
No livre brincar na natureza, a possibilidade sempre renovada de resgatar o tempo e a identidade da e na natureza.
Iremos ofertar essas oportunidades as nossas crianças?

Foto: Google
Conclusão
Nessa Semana Mundial do Brincar trouxemos a provocação de enxergar as infâncias e a própria brincadeira de outra forma.
Muito além de promover “desenvolvimento” e aprendizagem, brincar livre na natureza é fundamental para redescobrirmos o caminho para nós mesmos e para outro mundo possível.
"Construir relações entre gerações é fazer um compromisso com a vida que existirá depois de nós".
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